A dúvida, desde os primórdios da ciência, é considerada essencial para o avanço do conhecimento. No entanto, a ideia de que a dúvida é uma virtude não está isenta de críticas. Alguns argumentam que a dúvida, ao potencialmente prejudicar o progresso científico e social, é um pecado, rotulando todos os céticos como ignorantes ou maliciosos "negadores". A verdade sobre se a dúvida é um pecado ou uma virtude depende do contexto. Ao relembrarmos as origens e o valor de cada uma dessas visões da dúvida, bem como o potencial para ambas serem exploradas, podemos exercer e avaliar a dúvida de maneira mais apropriada na ciência.
Dúvida Racional: Uma Ferramenta Inestimável
A primeira etapa desse processo é a dúvida legítima. Desde os tempos de Sócrates, a dúvida tem sido valorizada por alguns pensadores, mesmo que tenha levado Sócrates à morte. A ideia de preferir a sabedoria de reconhecer a própria ignorância ressoa ao longo dos séculos. Richard Feynman, defensor fervoroso da incorporação da dúvida no pensamento investigativo, enfatizou a importância da incerteza na ciência. Dúvidas fundamentadas, como as que levaram à rejeição da geração espontânea por Louis Pasteur, mostram o papel essencial da dúvida no avanço científico.
Coopção Indevida da Dúvida: Um Desafio à Ciência
A segunda etapa é a cooptação indevida da dúvida. Embora a dúvida seja reconhecida como fundamental ao método científico, ela pode ser explorada de maneira inadequada. O ceticismo científico saudável pode ser usado indevidamente para questionar afirmações fundamentadas, como a idade da Terra ou a evolução das espécies. Historiadores de ciência, como Naomi Oreskes e Erik Conway, alertam sobre os perigos da má representação da incerteza científica.
Condenação da Coopção Indevida: Protegendo a Integridade Científica
A terceira etapa é a condenação legítima da cooptação indevida da dúvida. Quando a dúvida é promovida sobre proposições além de qualquer dúvida razoável, a condenação da "dúvida fabricada" é um serviço à comunidade científica. No entanto, rotular céticos com termos como "negadores" pode ser contraproducente a longo prazo.
Coopção da Condenação: Quando a Dúvida Legítima é Alvo de Ataques
Finalmente, chegamos ao ciclo completo, com a cooptação indevida da retórica usada para condenar a dúvida fabricada sendo usada para condenar a dúvida legítima. A rotulagem de dúvida como "pecado" e rotulação de céticos como "negadores" pode ser usada para desacreditar dúvidas bem fundamentadas. Isso cria um ambiente em que cientistas hesitam em questionar a reprodução de seus resultados, por medo de retaliação.
Resistindo à Tentação do Ad Hominem
A chave para superar esse ciclo está em resistir à tentação dos argumentos ad hominem e focar nas evidências científicas. Ao resistirmos a argumentos extracientíficos e nos concentrarmos na multifacetada, reprodutível e consistente base de evidências, mantemos a integridade da ciência.
Além da Retórica: A Importância da Evidência
Apesar de se apresentarem como ferramentas persuasivas, devemos evitar táticas que dependem de raciocínios não científicos. Argumentos ad verecundiam ou ad populum, embora possam ser eficazes, não são uma base útil para o discurso científico. A apresentação de fatos, embora essencial, pode não ser suficiente para mudar opiniões. Estudos sobre o comportamento humano diante de evidências desafiadoras indicam que a filtragem seletiva de informações é uma resposta fisiológica.
Conclusão: Preservando a Virtude da Dúvida na Ciência
Em conclusão, a dúvida, quando fundamentada, é uma virtude na ciência. Resistir à tentação de ataques ad hominem e manter o foco nas evidências são essenciais para preservar a integridade da ciência. Ao evitar o uso de táticas persuasivas não baseadas em evidências, garantimos que a dúvida legítima não seja desvalorizada. Em um mundo governado pela razão, é crucial que os cientistas confiem na razão e incentivem a autorreflexão. A dúvida, quando fundamentada e usada corretamente, permanece como uma ferramenta vital para avançar o conhecimento científico.